Excerto
de textos mais longos:
«(…)O
largo em frente das chegadas do aeroporto foi-se enchendo. Sentia-se qualquer
coisa de intraduzível. A vinda de Cunhal, num avião a aterrar na Portela, uma
multidão a esperá-lo, um certo aparato militar para o receber e proteger,
ultrapassava o que podia ser vivido no prolongamento de um fim de semana que
era uma viragem na História. E não só de Portugal.
«A
emoção era grande, e o pobre Costa Mendes não resistiu, ali morrendo com o
coração a estoirar de espanto!
«O
abraço que o Rogério Paulo me deu ficou a selar aquele ambiente irreal, aquela
expectativa inacreditável. E foi a Joaquina e o Alfredo, e foi, e foi, e foi…
«De repente, Cunhal aparece, é içado para cima de um
carro militar, com a ajuda de soldados, a Luiza Amorim fala. Cunhal, oferecendo
a sua bela imagem, impõe respeito e simpatia, calmo mas evidentemente
emocionado, também falou.
«O que disse? O que então devia ser dito: a
confiança, a certeza num futuro lutado, a necessidade de se estar à altura das
novas condições. “Cunhal ao governo” saiu espontâneo num coral de vozes
emocionadas e firmes. E foi um grande, um enorme abraço que nos uniu todos,
diferente e igual ao primeiro, ao da saída de Caxias, havia só um par de noites
mas que parecia já ter sido há tanto tempo.»
Assim
foi a chegada de Álvaro Cunhal a Lisboa, tal como a vivi nos dias 29 e 30 de
Abril e a registei em «Porque vivi e quero contar…», com os canos das
espingardas dos soldados transformados em jarras para os cravos vermelhos que
Cid Simões comprara aos molhos, pela
quase fortuna de 200 escudos, como há dias em conversa me confessou.
O
que verdadeiramente importará dizer, com o distanciamento que estes 38 anos já
possibilitam, é que o que Álvaro Cunhal disse do cimo daquele carro militar
justifica a interpretação de que essa chegada e a intervenção feita fecharam o 25 de
Abril e abriram o 1º de Maio… e o rumo às conquistas sociais, no caminho aberto
pelo Rumo à Vitória.
Num
trecho da sua declaração, Álvaro Cunhal disse:
"[...] O
momento exige que se reforce na acção diária a unidade da classe operária, a
unidade das massas populares – força motora das grandes transformações sociais;
que se alargue e reforce na acção diária a unidade de todos os democratas e
patriotas e se desenvolva impetuosamente a sua força organizada; que se reforce
a aliança, a cooperação, a solidariedade recíproca entre as massas populares e
os oficiais, sargentos, soldados e marinheiros de sentimentos democráticos e liberais.
A aliança do povo e dos militares é, na situação específica hoje existente, uma
condição essencial para o progresso da democratização da sociedade portuguesa.
[...]"
As propostas que Álvaro Cunhal incluiu nesta
sua intervenção à chegada ao aeroporto de Lisboa, coerentes com esta afirmação,
foram muito claras, e desmentem especulações completamente esvaziadas de rigor
(e de pudor), efabulações que levam a tantos preconceitos e os alimentam como
arma da luta de classes.
«1- consolidar e tornar irreversíveis
os resultados alcançado pelo MFA de 25 de Abril e nos cinco dias desde então
decorridos;
2 – alcançar todas as liberdades
democráticas, incluindo a da acção legal dos partidos políticos, e assegurar o
seu exercício;
3 – pôr fim imediato à guerra
colonial;
4 – alcançar satisfação das
reivindicações mais imediatas das massas trabalhadoras;
5 – assegurar a realização de eleições
verdadeiramente livres para a Assembleia Constituinte.”
Álvaro Cunhal terminou o seu discurso com uma
saudação ao MFA e à Junta de Salvação Nacional, e com as seguintes “palavras de
ordem”, secundadas, com emoção e entusiasmo, pela multidão que enchia a
plataforma frente ao aeroporto:
“Avante para a conquista definitiva da
liberdade!
Avante para o fim imediato da guerra
colonial
Avante para a realização de eleições
livres e a instauração em Portugal de um regime democrático escolhido pelo
povo!”
Ter vivido este episódio é inapagável nas nossas vidas.
Registá-lo e transmiti-lo será um dever.
Ê isso.Transmiti-lo ê mesmo um dever.
ResponderEliminarUm beijo
Não vivi esse momento. Mas ao ler este texto,senti-o.
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