Crónica de Miguel Esteves Cardoso (MEC) no “O Independente” de 1 de Dezembro de 1989. Carinhoso para com o político que sempre respeitou e caustico para os que os traíram além do rapapé a outros que se estavam a juntar aos ratinhos.
Um texto datado... mas nem por isso! Ou não em todos os trechos...
Um texto datado... mas nem por isso! Ou não em todos os trechos...
A Aventura do Álvaro
Cada vez que vejo o Dr. Vital Moreira ou a Dr.ª Zita Seabra fico agoniado. Sou demasiado sensível. Não é que eu não possa ver sangue. Até posso. O que o meu estômago não aguenta são as facadas nas costas. Para mais quando os esfaqueadores, de faca na mão e dentinhos na televisão, estão a sorrir.
O Vital e a Zita são muito parecidos. Ambos têm nomes que não lembram ao diabo. Ambos são baixinhos e franzinos. Ambos têm bigodes. Ambos têm narinas epilépticas, daquelas que abrem e fecham a 180 pulsações por minuto. Parecem dois ratinhos. Serão irmãos?
O mais engraçado é que o Vital, com aqueles olhos meigos e aquele cabelo comprido, dá mais para Menina Ratinha e a Zita, com cabelo curto e ar duro, dá mais para Sr. Rato. Para facilitar, chamemos-lhes Rato Zito e Ratinha Vitalina.
Para já, deviam escolher outras carreiras. O Rato Zito dava um bom chefe de redacção duma revista de desporto feminino. Podia até assinar uma incisiva coluna sobre o lançamento do dardo. A Ratinha Vitalina, que tem uma cabecinha fabulosa, devia regressar imediatamente à vida académica.
O que não está certo é que estejam os dois, ansiosos a rasteirinhos, a fungar junto às pernas da mesa da perestroika, a ver se lhes cai alguma migalhinha. Enquanto os grandes ursos, de garfo e faca em punho, se deliciam com um banquete de democracia, servido pelo Urso-Chefe Gorbachev, irrita ver estes dois ratinhos de gente a porem-se de pé, de patinhas pedintes e tremelicantes, só para chamar a atenção dos animais importantes. O que vale é que ninguém lhes liga nenhuma.
Querem sobretudo roer o juízo ao Álvaro, o Ursinho Bom. Querem mostrar-lhes que são ratinhos muito jovens e frescos. Estão fartos de ser ratinhos e querem ser ursos também. Esquecem-se de que Álvaro, o Ursinho Bom, é muito mais sábio e peludo do que eles julgam. O Bom Urso Álvaro não precisa que sejam os ratinhos portugueses a explicar-lhe o que é a perestroika. Como ele é um Urso Grande, o camarada Gorbachev explica-lhe directamente.
Se o Rato Zito e a Ratinha insistem na política, há uma coisa que não percebo. Porque é que não se inscrevem no PRD? Tenho a certeza de que seriam bem-vindos. Ou talvez fosse mais fácil, por uma questão de dimensões relativas, o PRD inscrever-se neles. De qualquer modo, tanto um como outro estão mal no PC, que é um partido comunista e, para além disso, honrado. Hoje em dia, pelos vistos, estão filiados no PCP os anticomunistas mais primários de Portugal.
Não se pense que sou contra os críticos. Quem é que pode ser? Sou é contra os oportunistas. Em Estrasburgo, sinto-me mais bem defendido pelo Barros Moura do que por qualquer um dos outros; gosto mais do Judas e sou fã incondicional de José Magalhães, que é de longe o mais interessante dos políticos portugueses. Já o convidei a escrever uma coluna semanal aqui n’O Independente e a página está à espera dele quando quiser. Tanto um como o outro parecem comunistas sinceros e modernos. Mais importante ainda, têm tratado o Tio Álvaro com lealdade e respeito que ele merece. Acho mal é que o Partido Comunista Português se esteja a transformar num partido cheio de facções e tendências, traições e inconfidências, ambições e ganâncias. Qualquer dia está como o CDS. Ou o PSD. Ou como o PS. Quando se perder a força electiva do PC e a coesão e a convicção ideológica, a disciplina e o sacrifício diante de uma causa comum – o nosso mundo perderá o último dos combatentes puros.
Quero que o PC se renove e tudo isso. O que odeio é o som que fazem as patinhas do Rato Zito e da Ratinha Vitalina a esfregarem-se de contente cada vez que um projecto socialista se afunda. É uma frottage sibilina. Quando o muro caiu, devem ter chegado a Berlim guinchos de alegria do ratazame português. «Uiiiii! Agora é que vamos enterrar o Tio Álvaro»! Se fossem ratinhos descomprometidos estaria tudo bem. Mas não é o caso. Tanto o Rato Zito como a Ratinha Vitalina, como se sabe, ajudaram a manter o Muro enquanto lhes convinha.
Álvaro, o Ursinho Bom, não se pode comparar com estes ratos. É melhor que todos eles juntos. Até a nota de curso dele (19) é superior à da Vitalina. Depois de uma vida inteira de sacrifício e sobrevivência, a levar facadas nas costas de toda a gente – quem é que não passou pelo PC? – ainda consegue ser o político português mais aprumado. É sem dúvida o melhor inimigo que a burguesia portuguesa já teve.
Álvaro, o Ursinho Branco, tem pinta, integridade, coragem, sentido de humor, sentido patriótico, inteligência, bom gosto. E tem as suas ideias. Dedicou-lhes a vida, para grande benefício dos portugueses mais pobres e azar dos mais ricos. É pena ser de Esquerda – acho que dava um belíssimo conservador – mas pronto. Se é para ser de Esquerda, mais vale não estar com meias medidas.
A Ratinha Vitalina e o Ratinho Zito são da Esquerda «fofa«, são comunistas de pelúcia, daqueles com quem os filhinhos dos patrões podem brincar à vontade, sem medo de se magoarem. É a Esquerda que abre lojinhas de prendas, com caixinhas em madeira de pinho que têm um cigarro e uma carteira de fósforos lá dentro. Amanhã podem fazer murinhos de Berlim em esferovite, com um martelinho ao lado, a dizer: «A demolir».
Qual é o capitalista que tem medo destes ratinhos? Deita-se-lhes um triângulozinho de queijo Tigre e pronto. Passados uns minutos está a correr no carrossel e a fazer truques. Em comparação, as dentuças afiadas de Álvaro, o Urso Branco, continuam a aterrorizar os patrões portugueses. Enquanto o Zito e a Vitalina são o Bernardo e Bianca da «perestroika» portuguesa, Álvaro Cunhal é um verdadeiro urso russo. Não tem nada de Walt Disney.
Faz rir a ideia de que os ratinhos Zito e Vitalina são «modernos» e que Álvaro, o Ursinho Bom, é «antiquado». Basta olhar para os cortes de cabelo e para as maneiras de vestir. Com o Álvaro Cunhal, sempre impecável nas suas camisas brancas, cabelos puxados para trás, calças largas, pode entrar em qualquer lado. O homem veste-se como os putos. Em contrapartida, a Zita é um susto. Veste-se como qualquer militante de trinta-e-dois que cortam o cabelo no barbeiro da Lisnave, mas compram roupa «feminina» nas boutiques mais modernas de Setúbal. Acham-se extraordinariamente descomplexadas por «trazer» um lenço de seda atado à sacola e usar jeans americanos para rapaz.
Do Vital estamos conversados. É da tribo mais perigosa de Portugal – dos Tontinhos-Maconde. O Haiti pode ter os Tonton-Macoutes, que praticam as piores espécies de bruxarias. Mas ao menos vestem-se bem. Podiam muito bem aparecer num anúncio da Benetton. Os tontinhos-Macondes são piores e estão a tomar conta de todo o País. O estilo é Benetton do Barreiro, meados dos anos 70. a franja é cão-de-água como Françoise Hardy. O bigode é Sabrina Deluxe, que são aquelas com uns pelos muito rijos que apanham tudo do chão. Ainda por cima, o Tontinho-Maconde nem sequer tem mérito de fazer uma opção pessoal, porque deixa isso tudo à companheira. É da imortal escola portuguesa do Escolhe Tu, Filha.
Por estas e por outras é que Álvaro, o Ursinho Bom, é muito mais rebelde, muito mais jovem, muito mais comunista do que os ratinhos que o querem cercar. E mesmo que não fosse, a cultura portuguesa, que é suave e sofisticada, consagra aos estadistas com mais de 40 anos de serviço público um direito inalienável, que é o direito de cair da cadeira abaixo. Se eles quiserem. E não vale empurrar. Ou guinchar.
Não conhecia este texto. Li-o. Mas passava tão bem se não o conhecesse. Ou lesse. A propósito de condutas que não venceram vem uma enorme confusão que atira o PCP para junto dos que lhes são completamente adversos. Vinte e três anos depois da data da sua escrita não se me faz nenhuma luz.
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