Álvaro Cunhal dá nome
a Avenida da cidade de Lisboa
Sábado 8 de Junho de 2013
Intervenção de Jerónimo de Sousa
Permitam-me que, em nome do meu Partido, saúde a decisão do Município de
Lisboa de se associar às comemorações do centenário do nascimento de Álvaro
Cunhal, dando o seu nome a esta avenida da cidade de Lisboa que agora se
inaugura.
Figura fascinante do nosso Portugal contemporâneo, Álvaro Cunhal foi um
combatente pela liberdade, a democracia e uma referência na luta pelos valores
da emancipação social e humana no nosso país e no mundo.
Personalidade de invulgar inteligência, homem de firmes convicções, inteireza
de carácter; político de acção e autor de uma obra notável, Álvaro Cunhal
dedicou toda a sua vida e o melhor do seu saber, como dirigente do PCP, como
Deputado, como Ministro da República nos governos provisórios de Abril, como
Conselheiro de Estado, à causa dos trabalhadores, do seu povo e do seu país.
Estadista, dirigente político experimentado e prestigiado no plano nacional e
internacional, estudioso e conhecedor da realidade portuguesa e das relações
internacionais, Álvaro Cunhal combinou sempre uma esforçada intervenção concreta
sobre a realidade, com uma profícua produção teórica para responder aos
problemas da sociedade portuguesa e do seu desenvolvimento soberano, mas também
aos problemas do mundo e da luta dos outros povos.
Intelectual, homem de conhecimento, possuidor de uma densa cultura e de uma
grande dimensão humanista, deixou-nos um valioso legado teórico de estudos e
análise política e histórica, mas igualmente uma importante produção
artística.
Um abundante e valioso património que reflecte um pensamento de grande
riqueza e actualidade que é uma herança de todos os que aspiram construir um
mundo melhor e mais justo, mas também mais belo.
Álvaro Cunhal estudou, viveu e trabalhou nesta cidade de Lisboa. Muito jovem
aqui fez os estudos liceais e depois a Universidade, onde foi estudante na
Faculdade de Direito, membro da Direcção Académica e do Senado Universitário e
onde sob prisão e escolta de uma brigada da polícia política da ditadura
fascista, apresentou e defendeu, em Julho de 1940 a sua tese de licenciatura.
Foi ainda estudante e vivendo nesta cidade de Lisboa que iniciou a sua
actividade revolucionária e a ligação ao seu Partido de sempre – o PCP – que
ajudou a construir de forma marcante a partir dos anos 40 e do qual foi
Secretário-Geral.
Foi aqui, ainda muito jovem, que Álvaro Cunhal começou a tomar partido nos
grandes combates do seu tempo, fazendo a opção pelos direitos dos explorados e
oprimidos e de se entregar inteiramente à causa emancipadora dos trabalhadores,
da liberdade, da democracia, do socialismo.
Um compromisso de uma vida inteira, tomado quando o nosso país enfrentava já
a tragédia do fascismo que haveria de oprimir o nosso povo por 48 longos anos e
mover-lhe uma perseguição implacável.
Com um percurso de vida e luta de exemplar dignidade, resistindo com uma
indomável determinação às mais terríveis e duras provas em dezenas de anos de
vida clandestina e prisão nos cárceres fascistas, Álvaro Cunhal, assumindo o seu
ideal de realização de uma “terra sem amos”, foi um construtor da democracia de
Abril e um valoroso e consequente defensor das suas conquistas.
Álvaro Cunhal, deu um particular e precioso contributo com essa obra notável
de estratégia e táctica política, que é o “Rumo à Vitória”, na qual apontou os
caminhos para a Revolução libertadora de Abril, para a sua defesa e consolidação
e para as profundas transformações revolucionárias operadas na sociedade
portuguesa.
Recusando vantagens ou privilégios pessoais, o seu percurso de revolucionário
corajoso e íntegro, de uma vida densa e multifacetada, permanecerá na nossa
memória colectiva como uma referência e uma fonte de inspiração para as gerações
vindouras guiadas pelos ideais da liberdade, da democracia, da justiça social,
pela construção de uma sociedade nova liberta de todas as formas de opressão e
da exploração.
No acervo de estudos e ensaio político abarcando uma diversidade de objectos
e temas são célebres a tese pioneira sobre “ O Aborto Causas e Soluções” (1940),
o seu trabalho de análise sobre a realidade dos campos em a “Contribuição para o
Estado da Questão Agrária”, o seu estudo histórico sobre um período tão
significativo para a própria independência do país e tão exaltante pelo papel
que desempenhou o povo de Lisboa na Revolução de 1383/1385 e que trabalhou em “
As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média”, mas também outros
períodos da nossa história mais recente em “ A Revolução Portuguesa. O Passado e
o Futuro”, entre outros.
Uma abundante análise e um olhar permanente sobre os mais variados problemas
do país e da vida internacional de eminente pendor politico podem ser
encontrados nos seus “Discursos Políticos” editados em 23 volumes, nas “Obras
Escolhidas” e numa profusão de artigos e brochuras de revistas nacionais e
internacionais.
Álvaro Cunhal interligou a sua intervenção revolucionária no plano político
com um apaixonado interesse por todas as esferas da vida, nomeadamente na
actividade de criação artística.
Autor de uma arte comprometida e por onde perpassa o povo que sofre e luta,
Álvaro Cunhal, cria uma dezena de obras literárias, de onde emergem, como
expoentes maiores, o romance Até Amanhã, Camaradas e a novela Cinco Dias, Cinco
Noites, ambos escritos no isolamento total da Penitenciária de Lisboa. É na
prisão que leva por diante a notável tradução do Rei Lear, de Shakespeare,
desenha e pinta um vasto conjunto de quadros e produz o texto sobre estética
Cinco Notas Sobre Forma e Conteúdo – matéria que voltará a abordar, mais tarde,
após o 25 de Abril, no importante ensaio A Arte, o Artista e a Sociedade, uma
obra onde se revela o valor social da criação artística.
A vida, o pensamento e a luta de Álvaro Cunhal justificam a homenagem que lhe
prestamos.
Uma homenagem ao homem, ao político, ao intelectual e ao artista que, neste
momento de inquietantes fenómenos de regressão social e retrocesso
civilizacional, mas também de abuso de poder, tanto mais se justifica para
demonstrar que os políticos não são todos iguais e que a actividade política
pode e deve ser uma actividade nobre.
Num momento em que o capitalismo está mergulhado numa das mais profundas
crises da sua história, em que no nosso país a austeridade imposta pelo grande
poder económico e pela troika se acentua, e se afirma a necessidade de encontrar
os caminhos do progresso e da justiça social, a luta, a obra e o pensamento de
Álvaro Cunhal projectam-se como contributos inestimáveis para a conquista de um
futuro que tenha como referência os valores de Abril – os valores da liberdade,
da democracia, do desenvolvimento económico, da justiça social e da
independência nacional.
Álvaro Cunhal morreu aos 92 anos em 13 de Junho de 2005 e o seu funeral,
nesta cidade de Lisboa, com a participação de centenas de milhar de pessoas, foi
bem a demonstração do reconhecimento dos trabalhadores, do povo de Lisboa e do
país a esse homem de cultura integral, intrépido revolucionário de uma vida
vivida de cabeça erguida, feita de verticalidade e coerência na busca incessante
dos caminhos da vitória sobre a injustiça e as desigualdades e a construção de
um mundo mais justo, livre e fraterno.
Mais uma vez saudamos a decisão do Município de Lisboa que nos honra e honra
a sua memória!
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