Miguel Urbano Rodrigues
O Partido com Paredes de Vidro não é apenas como ensaio uma demonstração brilhante do domínio pelo autor do materialismo dialéctico. O livro não seria o que é sem o talento e a imaginação que fazem dele uma obra marcada por poderosa criatividade.
Em 1985, quando foi lançada em Lisboa a 1ª edição dessa obra, era inimaginável a tragédia que destruiu a URSS e transformou a Rússia num país capitalista. No horizonte próximo o que se esboçava era a vitória do socialismo sobre o capitalismo.
Mas a História tomou outro rumo.
No prefácio a esta 6ª edição, Álvaro Cunhal apresenta por isso com espírito autocrítico a perspectiva histórica da 1ª, mas reafirma que o capitalismo está condenado a desaparecer porque não pode superar «insanáveis contradições internas e continua a mostrar-se incapaz de responder às legítimas aspirações económicas, sociais, políticas e culturais da humanidade.»
Este livro traz respostas a questões relativas aos comunistas. Ajuda a compreender porque resistiu o PCP ao desaparecimento da União Soviética e é um dos poucos partidos comunistas que na Europa sobreviveu intacto ao vendaval que desnaturou ou destruiu a maioria deles.Enquanto outros, como o italiano, o francês e o espanhol, aderiram ao anti sovietismo, e adotaram linhas reformistas que os tornaram cúmplices do neoliberalismo, o PCP manteve-se fiel aos princípios e valores do marxismo-leninismo.
O Partido com Paredes de Vidro não é apenas como ensaio uma demonstração brilhante do domínio pelo autor do materialismo dialectico. O livro não seria o que é sem o talento e a imaginação que fazem dele uma obra marcada por poderosa criatividade.
«Como somos, como pensamos, como atuamos, como lutamos, como vivemos, nós, os comunistas portugueses.»
Na sua resposta, Álvaro Cunhal procura e consegue com frequência imprimir força de revelação à própria evidência. A personagem central é sempre o Partido.
É nele que se inserem o abstracto - as ideias, a concepção do mundo - e o concreto, os homens que fazem do Partido um grande coletivo revolucionário.
O tratamento de questões teóricas surge entrosado em exemplos de uma praxis viva. Está ali praticamente tudo, exposto, comentado e explicado sem véus, nem omissões: a organização, o trabalho colectivo, o estilo e o tipo de direcção do centralismo democrático, as eleições internas, o voto secreto, a prestação de contas, a experiência, a renovação permanente, o consenso, a unanimidade, os quadros, a democracia, os deveres e direitos, a crítica e a autocrítica, a moral comunista. Com transparência cristalina.
A estrutura orgânica do Partido e a sua praxis revelam a natureza de classe, inseparável da raiz ideológica e da firmeza política e revolucionária. Alias, a manutenção da regra de ouro de uma maioria de operários nos organismos de direção tem sido justificada pelas respostas da História. Sem ela o PCP seria um partido muito diferente.
O tema do individuo, do militante inserido no coletivo, merece uma atenção especial.
«Ser comunista – sublinha - não impede que se ria mais ou se ria menos, que se goste de estar em casa ou de passear ao ar livre, que se aprecie ou não se aprecie um bom petisco, que se fume ou não se fume, que se beba ou não se beba um copo, que se viva mais ou menos intensamente o amor (...) Amar o sol, o ar livre, a natureza, a terra e o mar, o ar e a água, as plantas e as flores, os animais, as pedras, a luz, a cor, o som,o movimento, a alegria, o riso, o prazer, é da própria natureza do ser humano (...) Que ninguém tenha vergonha de ser feliz. Alem do mais porque a felicidade do ser humano é um dos objetivos da luta dos comunistas.»
Trechos como estes, pela mundividência que expressam, derrubam pirâmides de mentiras erguidas pela propaganda anticomunista.
Álvaro Cunhal sabe que não há comunistas perfeitos. Não apresenta portanto o PCP como um partido de santos. Mas acha que a exigência moral dos comunistas favorece o seu aperfeiçoamento individual.
«Em cada ser humano – recorda - há imensas potencialidades de evolução para o bem e de evolução para o mal. O Partido, em relação aos seus membros tem de confiar que com a sua ajuda a evolução será para o bem».
Aos que, caluniando o Partido, insistem em apresentá-lo como uma máquina que tritura os seus membros, Álvaro Cunhal responde com uma crítica profunda ao dogmatismo e ao sectarismo. Apontando erros cometidos, condena como inadmissível a tendência de alguns dirigentes e quadros a ingerir-se na vida privada dos militantes.
Não surpreendeu que o livro de Álvaro Cunhal tenha suscitado reparos no Leste europeu. Em alguns países foi publicado com cortes. A transparência do PCP incomodou dirigentes que se sentiram retratados em críticas ao autoritarismo e ao dogmatismo.
Uma certeza: a publicação pela Editora Expressão Popular do Partido com Paredes de Vidros é uma contribuição valiosa para um melhor conhecimento no Brasil do Partido Comunista Português, do seu coletivo revolucionário, da sua luta por um Portugal democrático, soberano, progressista.
O livro de Álvaro Cunhal, sendo pessoal, é de todo o Partido, um ser único, com vida e vontade próprias cujo caminhar é traçado por todos e cada um.
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