- ÁLVARO
CUNHAL –
por Pedro de Pezarat Correia
No passado sábado,
23 de Março, numa Aula
Magna da Reitoria
da Universidade de Lisboa completamente lotada, teve lugar
uma sessão cultural evocativa
da figura de Álvaro Cunhal, que inicia um ano dedicado às comemorações do centenário
do seu nascimento. Não
pertencendo nem nunca
tendo pertencido ao Partido Comunista Português (PCP)
situo-me, porém, no grupo
daqueles que consideram que o PCP se inscreve na área
política que
gostariam de ver o povo
português escolher para liderar os destinos do país.
Aqui fica o meu
registo de interesses para
que não
haja equívocos com
esta nota no GDH.
Com muito gosto aceitei o convite que me
dirigiram para integrar a
Comissão Promotora e estive presente na Aula Magna onde, entre muitas vantagens,
beneficiei da oportunidade de ouvir mais um magnífico discurso do reitor
da Universidade, professor
Sampaio da Nóvoa. Guardo de Álvaro Cunhal, do cidadão,
do resistente e precursor do 25 de Abril, do político,
do estadista, do intelectual
multifacetado, um profundo
respeito. Particularmente
agora, quando
as figuras menores
que têm passado
pelo poder sem honra e sem dignidade
vêm aviltando a imagem dos políticos e da democracia
– e este é dos pecados
maiores que
lhes devem ser
cobrados –, é justo e é pedagógico, evocar alguém que se
empenhou profundamente na política sem mácula, sem
cedências susceptíveis de violarem os princípios,
os valores, os compromissos.
Álvaro Cunhal era uma referência para quantos, independentemente
dos sectores ideológicos e partidários em que se
situassem, cultivavam o rigor na gestão da polis, na política,
porque era
de uma enorme exigência.
Mas começava por
ser exigente consigo próprio.
Concordasse-se ou discordasse-se dele,
confiava-se nele.
Recordo que, quando
partilhei algumas responsabilidades no país e, com os meus camaradas,
discutíamos ou analisávamos a situação política,
o sentimento generalizado em relação a
Álvaro Cunhal era o de que se tratava de um
homem de carácter, credível no que dizia,fiável naquilo com
que se comprometia. Aí
pela década
de 90, quando eu
já estava reformado da vida militar e Álvaro
Cunhal já deixara a liderança
do PCP, encontrávamo-nos, não com muita
frequência mas com
alguma regularidade, por vezes com mais dois ou três amigos. Eram conversas
privadas, interessantíssimas, trocas de impressões
passando em revista
as conjunturas nacional
e internacional. E Álvaro Cunhal gostava
de frisar o que
mais o marcara quando
teve de lidar com
os militares na política
no período revolucionário
e nos anos
em que
perdurou o Conselho da Revolução e um militar na presidência
da República: eram homens
de palavra. E isso
fora decisivo
na manutenção de relações
de respeito mútuo.
Há um aspeto que
não posso deixar
de registar. Hoje,
quando a União
Europeia navega em águas
agitadas sem rumo
percetível e em que
os chamados países periféricos
sofrem as consequências de decisões que parecem tudo
menos inocentes,
é oportuno recordara voz lúcida de
Álvaro Cunhal que na altura muitos
acusaram de “velho do Restelo”. Quando
os responsáveis políticos
embandeiravam em arco
com a adesão
à Comunidade Económica Europeia e a entrada no “clube
dos ricos”, quando
a maioria do povo
português embarcava na euforia
da festa das remessas dos fundos estruturais e se empanturrava em betão a troco do abandono
da agricultura, da extinção
da frota pesqueira,
do esvaziamento da marinha mercante, do encerramento de indústrias
de base, Álvaro Cunhal alertava e
repetia: os portugueses irão pagar isto. Era ouvido com ceticismo. Não me excluo, a palavra
de Álvaro Cunhal levava-me a refletir, mas deixava-me dúvidas.
Álvaro Cunhal tinha razão. Os portugueses estão a pagar
isso.
Pedro Pezarat Correia
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