Intervenção de Manuela Bernardino, membro do Secretariado do Comité Central do PCP
A todos agradeço, em nome do PCP, a vossa presença neste momento em que inauguramos, aqui, na sede do Parlamento Europeu, a Exposição dedicada ao Centenário de Álvaro Cunhal “Vida, pensamento e luta: exemplo que se projecta na actualidade e no futuro”.Pequena Exposição que já foi inaugurada em muitas localidades em Portugal. Digo pequena porque esteve em Lisboa uma Exposição de grande dimensão, visitada que por muitos milhares de pessoas, enriquecida por múltiplos e diversificados elementos, que não é possível trazer aqui.
É justo valorizar, neste momento da inauguração da Exposição, a iniciativa dos dois deputados do PCP no PE, João Ferreira e Inês Zuber de a trazer a esta instituição com o intuito de projectar o percurso de vida de Álvaro Cunhal que foi no século XX e na sua passagem para o século XXI a personalidade que, em Portugal, mais se destacou na luta pelos valores da emancipação social e humana, com forte projecção no plano mundial.
A Exposição retrata, como terão ocasião de ver e de ler pelo folheto que será distribuído, a vida do homem, do comunista, do dirigente partidário, do intelectual e artista, do estadista que foi Álvaro Cunhal, num percurso simultaneamente criativo e militante desde a sua juventude até ao fim da sua vida.
Álvaro Cunhal fez logo na sua juventude, quando estudante da Faculdade de Direito de Lisboa, uma opção de classe, em defesa dos direitos dos trabalhadores, assumindo consequentemente uma vida inteiramente dedicada à causa dos explorados e oprimidos.
Foi militante da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas, tendo sido seu secretário-geral. Membro do PCP desde 1931, então já ilegalizado pela ditadura fascista que em Portugal oprimiu o povo português durante 48 anos, passou a viver na clandestinidade a partir de 1935. Preso 3 vezes, quando julgado no Tribunal fascista em 1950, fez uma contundente acusação da ditadura, passando de acusado a acusador. Esteve 13 anos nos cárceres do fascismo, sujeito às maiores restrições e sob uma apertada vigilância.
Evadiu-se, em Janeiro de 1960, na célebre fuga colectiva do Forte de Peniche para onde tinha sido transferido em 1956.
Desenvolve uma intensa actividade desde a fuga até à Revolução de Abril de 1974 que pôs fim à ditadura fascista de Salazar/Caetano. Foi ministro sem pasta nos primeiros quatro governos provisórios. Deputado na Assembleia Constituinte e na Assembleia da República, até ao fim da década de 80. Foi membro do Conselho de Estado de 1982 a 1992, ano em que deixou de se ser secretário-geral do PCP. Manteve-se no seu Comité Central até ao fim da sua vida, com uma intervenção activa não só no plano político, mas igualmente na actividade cultural e artística.
Coerente com os seus ideais revolucionários recusou sempre, ao longo da sua vida, quaisquer vantagens ou privilégios pessoais.
Morreu em 2005 e o seu funeral foi uma extraordinária homenagem dos comunistas, dos trabalhadores e do povo português a quem Álvaro Cunhal dedicou a sua vida.
Álvaro Cunhal resistiu a duras provas: vida clandestina, longos anos de prisão, torturas brutais, oito anos de completo isolamento numa cela da Penitenciária de Lisboa.
Revelando extraordinária tenacidade, abnegação e coragem, dedicou todos os seus conhecimentos e energias à luta pela liberdade, a democracia e o socialismo.
O seu contributo na elaboração da estratégia e da táctica do seu partido - na resistência ao fascismo, na definição dos objectivos da revolução democrática e nacional que o 25 de Abril viria, na sua maioria, a concretizar, nomeadamente quanto à libertação e independência das colónias portuguesas, bem como posteriormente na luta contra a ofensiva contra-revolucionária – constitui um enorme património teórico e um valioso legado não só para o PCP, mas para todos os que aspiram ao conhecimento da luta do povo português durante os dias negros do fascismo, no período áureo de grandes conquistas e avanços progressistas e, posteriormente na resistência aos diversos ataques e tentativas da sua liquidação, visando sempre a concretização dum Portugal mais justo, mais democrático, solidário e independente.
Toda a sua intervenção é feita a partir do estudo aprofundado da realidade portuguesa, antes e depois do 25 de Abril. O seu domínio das teorias e métodos de análise do marxismo-leninismo permitiu-lhe, em cada momento quer do processo revolucionário quer do processo contra-revolucionário, responder a problemas que se levantavam e apontar orientações e caminhos para os ultrapassar.
Foi com esta base que, muito cedo, se debruçou sobre o processo de integração europeia e das suas consequências para uma eventual adesão de Portugal. Em 1964, no Rumo à Vitória, relatório que apresentou ao Comité Central do PCP, e que constitui uma das suas obras mais valiosas, Álvaro Cunhal - a partir da análise objectiva do estádio de desenvolvimento do capitalismo em Portugal e do estudo das dependências económica e política do país em relação ao imperialismo; das relações entre os monopólios nacionais e estrangeiros e entre Portugal e os principais países capitalistas europeus bem como quanto ao grau de desenvolvimento das forças produtivas – conclui que a participação de Portugal nas zonas europeias de livre comércio acentuaria ainda mais a situação de dependência de Portugal em relação ao estrangeiro, agravaria a exploração sobre os trabalhadores, destruiria o nosso aparelho produtivo e desequilibraria o nosso comércio externo pela invasão de produtos doutros países, conduziria a agricultura a uma grave crise.
Mais tarde, nos anos 80, quando se discutia a adesão de Portugal à CEE, AC considerou que tal projecto se inseria nos objectivos contra-revolucionários de reconstituição dos grupos monopolistas e latifundistas e alertou para a “visão idílica” que se procurava passar de imaginar o Mercado Comum como “uma associação de países ricos filantrópicos prontos a “ajudar” os países mais atrasados” que teve como slogan “A Europa connosco”.
Mas, a partir da entrada de Portugal na CEE, hoje U.E., defendeu que “era direito e dever dos portugueses de contrariar tudo quanto seja lesivo dos interesses nacionais portugueses. E reivindicar tudo quanto possa ser favorável a esses interesses”.
É neste sentido que actuam os deputados do PCP no PE. Integrando o GUE/NGL – grupo confederal, unitário e de esquerda que teve o PCP como um dos partidos fundadores.
Álvaro Cunhal interligou a sua intervenção no plano político com um apaixonado interesse por todas as esferas da vida, nomeadamente na actividade de criação artística, que se expressa na literatura, com o romance e o conto, das artes plásticas, com o desenho e a pintura, ou ainda na sua reflexão teórica sobre a estética que tem profunda abordagem na sua obra “A arte, o artista e a sociedade”, obra onde Álvaro Cunhal releva o valor social da criação artística.
A vida, pensamento e luta de Álvaro Cunhal justifica a homenagem que o seu partido e muitas outras organizações e instituições, em Portugal e no estrangeiro, lhe estão a prestar .
Uma homenagem ao homem, ao intelectual e ao político coerente com os seus ideais.
As iniciativas que se têm realizado, como o recente Congresso “Álvaro Cunhal, o projecto comunista, Portugal e o mundo de hoje” projectam esse ideal a que Álvaro Cunhal dedicou toda a sua vida, e que ele próprio avaliou como “um ideal pelo qual vale a pena lutar”.
Um ideal que tem como objectivo libertar os trabalhadores e o povo português de todas as formas de exploração e opressão; que se concretize num regime de liberdade no qual o povo decida do seu destino; em que o desenvolvimento económico assente numa economia ao serviço do povo e do país; com uma política social que garanta a todos a segurança social, o bem-estar material, erradicando a fome, a miséria e o desemprego; que crie condições para uma infância feliz e uma velhice sem privações; possibilite o acesso à instrução e à cultura e que garanta a efectividade de direitos às mulheres.
Num momento em que o capitalismo está mergulhado numa das mais profundas crises da sua história, em que no nosso país a austeridade imposta pelo poder económico e pela troika e por um governo cujas medidas não cessam de agravar o empobrecimento dos portugueses e de conduzir o país ao desastre, mas onde também cresce a resistência e a luta, afirma-se cada vez mais como necessário uma alternativa de progresso e justiça social.
Na obra de Álvaro Cunhal projectam-se contributos inestimáveis para a conquista dum futuro para o nosso país que tenha como referência os valores de Abril.
A reflexão permanente de Álvaro Cunhal sobre as mudanças no país e no mundo, permitiram-lhe fundamentar teses, mesmo em períodos de derrotas e recuos para o PCP e o movimento comunista internacional, e apontar orientações que cimentassem a confiança de que a história se faz de avanços e recuos, e que o sonho do fim da exploração do homem pelo homem acabará por se concretizar.
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