«Álvaro Cunhal é uma personalidade marcante, em Portugal e no mundo

sábado, 30 de março de 2013

Um texto "à medida"


- Edição Nº2052  -  28-3-2013

Do Vietname, com amor,
para Álvaro Cunhal


As quartas de manhã, nos idos do dealbar de 1976, eram o pedaço mais desejado da semana para um grupo de jornalistas empenhados em escrever, nem sempre bem, nem sempre conseguindo esse desiderato, «a verdade a que temos direito». Não era, nessas alturas, preciso arranjar desculpas para o atraso ao encontro, nada de o trânsito estar de morrer, o metro, nem imaginam, o autocarro atrasou-se, o despertador, vejam lá, deu-lhe para não tocar. Chegávamos todos a tempo e horas, enchíamos a sala com a nossa vontade de ouvir e de aprender, muitos de nós licenciados, experts em coisas várias, diplomados em filologias, histórias e economias. E depois chegava o Álvaro, sorriso encorajador, uns papéis ou um bloco-notas debaixo do braço, um cumprimento às vezes afável, às vezes contundente, às vezes enrugado, consoante os ventos que sopravam contra ou a favor dos que, honesta e fraternalmente, queríamos que soprassem.

As quartas feiras de manhã eram o contacto com a experiência, a humanidade, a força inabalável, a inflexibilidade e a ternura do Secretário-geral do Partido Comunista Português, ali sentado connosco, a ouvir-nos preocupações e sonhos, a sugerir-nos caminhos e atitudes, a saber de cada um de nós, dos nossos problemas, das nossas vidas, a contar-nos pouco da sua intimidade e muito do seu sonho acordado, da sua inabalável confiança nos operários da terra ou da fábrica, da tela ou dos livros, da vida e do futuro. Era um de nós sendo o que todos nós queríamos vir a ser, não líderes ou dirigentes de um colectivo incomparável, mas homens e mulheres tão íntegros, empenhados, seguros, revolucionários e confiantes como ele porque, com ele, com o seu exemplo, com as suas palavras, ficaríamos envergonhados de ser menos do que aquilo que nos propunha que fossemos e que desejávamos ou passávamos a desejar ser.

Pelo meio destes afazeres andava eu às voltas com as cantigas e calhou, integrado no grupo «Introito» e tendo como parceiro o Samuel, dar uma saltada a Dusseldorf para participar numa festa do DKP (Partido Comunista Alemão na, então, Alemanha Ocidental). Cantigas em palcos de solidariedade, conversas impensáveis com Hartmut Friekenbrink, nosso guia e militante do DKP que falava um português correctíssimo e, depois, já no poente da festa, uma visita de despedida arredondada ao recinto dela, na bebericagem de uns scnhapps de variados e gulosos sabores em stands que representavam vários movimentos e partidos progressistas do mundo e que, por honra à casa que os hospedava e ao bom gosto dos seus frequentadores, dispunham da apetecível bebida.

Vai daí, estávamos nós na prática do desporto líquido (como diria na altura o Baptistas-Bastos), eis que nos surge um grupo de caras risonhas e afáveis, mostrando nos seus traços sua origem asiática. Dirigiram-se a nós e quiseram confirmar se éramos portugueses. Perante a nossa resposta afirmativa alargaram os sorrisos e um deles estendeu-nos um ramo de cravos vermelhos. Disse-nos: para dar a Álvaro Cunhal.

Abraços, algumas lágrimas, sorrisos redondos, saúdes, e eu a olhar para um ramo de cravos vermelhos que um grupo de vietnamitas me depositara nos braços e com a responsabilidade de o entregar, com indicação de remetente, a Álvaro Cunhal.

No dia seguinte entrei pela António Serpa e entreguei a quem devia os cravos e a estória deles. Ainda estavam viçosos.

Acho que ainda hoje estão viçosos.

Nuno Gomes dos Santos 

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Ora aqui está um texto "à medida" deste "blog". A uma das suas muitas "medidas"... tal como o desejámos e vamos cumprindo. Como tantas outras mensagens já aqui colocadas.
Obrigados, Nuno!
S.R.

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